terça-feira, 13 de novembro de 2007

clássico é clássico


Assim que o olivroestasobreamesa nasceu, o meu próprio marido disse: “vocês têm que ler logo os clássicos, porque não começam com Madame Bovary?” Além disso, quem já foi aluno dele e não leu o livro com certeza já escutou um sapinho. No começo do grupo optamos por não encarar esse desafio assim tão brutamente. O tempo passou e com quase dois anos de existência e um pouco mais de maturidade, resolvemos enfrentar o Flaubert e agora podemos dizer em alto em bom som “eu já li Madame Bovary”. E depois de ler eu bem vi que o Pani tem razão de brigar com quem nunca leu. Afinal, não foi à toa que um clássico virou clássico.
O livro conta a história de Emma Bovary, uma das personagens mais fascinantes da literatura mundial. Órfã de mãe e criada em um convento (que abandona por falta de vocação), Emma passa a infância e a adolescência mergulhada no mundo dos romances românticos. Ao conhecer o médico Charles Bovary, ela se enche de esperanças de viver uma vida de novidades e glamour. Porém, Charles, como diria meu amigo Thiaguinho, é um banana. Ele teve uma infância sem brilhos, uma adolescência insossa e uma vida adulta medíocre. De fato, ele não nasceu para se destacar em nada. Cresceu com o pai ausente e relapso e a mãe controlando cada passo dado. Depois de um casamento com uma viúva que não era lá grandes coisas e que ele nem gostava muito, Charles se encanta por Emma, filha de um de seus pacientes.
Pouco depois de enviuvar, o médico pede a mão da moça que aceita sem titubear. Mas já no dia do casamento, Emma começa a pensar se está fazendo a coisa certa. Demora só até a lua-de-mel para descobrir que não estava. Um dos problemas é que Charles é a personificação do tédio. A partir daí o livro começa a mostrar a personalidade dessa “heroína” que na minha opinião não é nem bipolar, é tão instável que chega a ser TRIpolar. Ela começa a tentar preencher de várias formas o vazio que sente, mas o buraco é mais fundo que ela pensa. Enfim, não vou falar mais senão acabo com todos os mistérios e suspenses do livro.
O que quero dizer é que a obra é demais. Para quem leu ou ainda vai ler, sugiro uma passadinha na biografia de Gustave Flaubert (1821-1880) porque é perceptível uma influência autobiográfica. O livro, que foi escrito lá no século XIX, transita por todo um mundo social da burguesia francesa. Tudo é criticado, inclusive a igreja católica e a política tomam bastante paulada. De acordo com a introdução da edição que eu li “Flaubert, que era um niilista, criticou a todos na sua obra-prima: interioranos e parisienses, homens e mulheres, apaixonados e céticos. Como indicou o crítico Émile Faguet: Havia em Flaubert um romântico que achava a realidade rasa demais, um realista que achava o romantismo vazio, um artista que achava os burgueses grotescos e um burguês que achava os artistas pretensiosos, tudo isso envolto por um misantropo que achava todos ridículos”.
Tenho que falar também que para mim o livro é um precursor da idéia feminista. Não posso afirmar que Emma Bovary é um símbolo do feminismo, porque ela não critica a situação em que a mulher vive, mas ela identifica que o ser mulher não é tão bom quanto o ser homem. São várias as passagens do livro que ela destaca que a vida da mulher não é tão boa quanto a dos homens. Um exemplo é quando nasce a filha, Berthe. Ela deixa claro que gostaria que fosse um menino porque ser mulher é muito triste.

Curiosidade – Quando o livro foi lançado em 1857, Flaubert foi processado pelo governo francês por ofensa à moral pública e religiosa. O autor foi inocentado e dedicou o livro ao cara que liderou o processo – Marie-Antoine-Jules Sénard. Nela Flaubert dizia: "Caro e ilustre amigo, permita-me inscrever o seu nome à frente deste livro e abaixo da dedicatória; pois é à sua pessoa, sobretudo, que devo a publicação do mesmo. Passando pela sua magnífica acusação, minha obra fez de mim mesmo uma inesperada autoridade. Aceite, então, a presente homenagem da minha gratidão que, por maior que possa ser, jamais estará à altura da sua eloqüência e da sua dedicação."
Uma coisa interessante que descobri ao escrever esse texto é que na hora que se coloca Madame Bovary no Google, aparece no item “Pesquisas relaci
onadas a:” os nomes Dom Casmurro, O crime do Padre Amaro e Dom Quixote. Ou seja, mas um motivo para eu dizer que clássico é clássico.

Nas telas - O livro teve várias adaptações para o cinema. A mais conhecida é a do diretor Claude Chabrol, filmado em 1991, com a atriz Isabelle Huppert. Foi essa mesmo que eu vi. É bom, pra aqueles que leram o livro. Por ser filme, o tempo dele é mais rápido do que o livro, o que diminui muito a angústia que sentimos junto com Emma ao ler as páginas da obra. Sem a agonia, o filme perde a essência de Madame Bovary. No livro, descobrimos uma Emma fascinante, no filme, a impressão não é bem essa. A fidelidade aos acontecimentos e diálogos é muito boa, mas não adianta, tem coisa que tem que ser lida mesmo. Depois de ler, vale a pena assistir. Antes, nem pensar.


Referência – Outro filme que assisti por causa de Madame Bovary foi o Pecados Íntimos (2006), dirigido por Todd Field. Esse eu vi, porque me disseram que a personagem principal Sarah (Kate Winslet, a menina do Titanic) participava de um grupo de leitura e uma das cenas era a discussão sobre o livro. A cena é boa, mas é o de menos. O filme é uma versão moderna de Madame Bovary. Sarah largou o doutorado para casar, ter filhos e cuidar da família em um dos subúrbios dos Estados Unidos. Mas a monotonia de uma vida “feliz”, suburbana e rica não consegue satisfazer a personagem e assim como Emma ela vai em busca de novas emoções.
Trailer de Pecados Íntimos: http://cinema.terra.com.br/videos/interna/0,,OI82229-EI1176,00.html