segunda-feira, 8 de outubro de 2007

mundo dos mortos


— Boa tarde, vocês têm um livro chamado Pedro Páramo do autor Juan Rulfo?
— Perae, vou ver. Fulano, tem algum livro do Pedro Páramo?
— Não moço, o nome do livro é Pedro Páramo, o autor é Juan Rulfo.
— Ah tá. Vou ver no sistema. Hummm, to vendo aqui mesmo Pedro Parâmo e o Planalto em chamas...
— Tem?
— Não.

E assim foi a minha romaria pela 26ª Feira do Livro de Brasília atrás do livro que o Thiaguinho havia mandado os olivroestasobreamesistas lerem. Fui a todas as barracas da Feira, menos nas que vendiam publicações para estudantes de concurso público e naquelas de literatura evangélica. Depois disso parti para ajuda matrimonial:
— ‘more, pega o Pedro Páramo na Biblioteca do Ceub pra mim?
— No sistema diz que tem, mas não achei nas prateleiras. Tem uns 200 exemplares em espanhol, serve?
— Não. Pega na Biblioteca da UnB então?
— Na UnB só tem um exemplar em português e está emprestado. Tem em espanhol. Serve?
— Não.

Quando a esperança já havia acabado e o desespero tomado conta, uma das 550 encomendas que eu tinha feito nas livrarias da cidade deu certo. A Livraria da Rodoviária me ligou para ir buscá-lo e fui como se fosse um prêmio. Saí da loja abraçada com o meu suado exemplar. Já nas primeiras páginas eu pirei com o livro. Tive que pegar um lápis e um papel para montar um esquema para ver se entendia tudo direitinho.
Ele começa com o narrador, Juan Preciado, indo à cidade de Comala, estado de Guadalajara, México. A viagem era por causa de uma promessa feita à mãe (Dona Doloritas) de que iria conhecer o pai — Pedro Páramo — depois que ela morresse. Segundo ela “... exija o que é nosso. O que tinha a obrigação de me dar e nunca me deu... O esquecimento em que nos manteve, meu filho, cobre caro.”
No caminho, Juan encontra o arrieiro Abúndio e conversando descobre que Pedro Páramo também é pai de Abúndio. Quando ele pergunta como é o pai, a definição vem seca: “um rancor vivo”. Depois de mais umas linhas de prosa, Juan fica sabendo que o pai está morto há anos. A partir desse momento, vários personagens começam a aparecer na história, cada um contando sua história e de repente eu tomava o choque — eles estavam mortos. Daí um pouco estava me perguntando se tinha alguém vivo no livro.
A resposta era clara — NÃO. Comala era uma cidade morta. Uma espécie de purgatório onde os cidadãos estavam pagando seus pecados. A cidade era tão quente, tão quente, que o próprio Abúndio comenta com o Juan: “Aquilo está sobre as brasas da terra, na própria boca do inferno. E posso até te dizer que muitos dos que morrem por lá, ao chegarem ao inferno, voltam pra buscar o cobertor.”
O livro é um exercício de concentração brilhante, porque sem separação por capítulos, ele se alterna na história de Juan Preciado em Comala e na vida de Pedro Páramo, desde a infância. Lá pela metade existe uma polêmica - descobre-se que o narrador, Juan Preciado também está morto e conta a história de dentro de uma cova onde está enterrado junto com uma mulher, considerada a louca da cidade, Dorotea. Para mim é isso que acontece. Ele está morto desde o começo e na metade do livro é quando ele se toca disso. Mas alguns defendem que ele foi para Comala, não suportou o clima de alma penada da cidade e morreu de medo lá mesmo. Eu acredito que a alma dele está lá para pagar a penação da mãe dele. Era dela o destino de passar a eternidade vagando como mais uma das almas penadas da cidade que abandonou na juventude. A interpretação fica em aberto para cada leitor decidir.
Enfim, em determinado momento eu parei de ler o livro porque não queria que ele acabasse. Tentei aproveitar o máximo possível das poucas 103 páginas. Fui absorvendo cada palavra com todo cuidado. Senti as sensações mais diferentes lendo a história de cada um dos personagens. Culpa, nojo, calor, fedor, até pesadelos tive com o livro.
A
conclusão disso tudo é: obrigada Thiaguinho por me fazer ler esse livro. Juan Rulfo é um autor super reconhecido e depois de ler Pedro Páramo, dou toda razão ao mundo por reconhecê-lo como um grande escritor. Ele simplesmente influenciou um dos melhores escritores do mundo — Gabriel García Márquez. E, de fato, comparando a literatura dos dois, Gabo tem muito de Rulfo. Ele conta que havia chegado ao México em 1961 e não sabia da existência de Rulfo. Um dia o também colombiano Álvaro Mutis lhe dá um livro e lhe ordena que leia, “para aprender”. Era Pedro Páramo. Não conseguiu dormir enquanto não terminou de ler pela segunda vez o livro. “Nunca, desde a noite tremenda em que li Metamorfose, de Kafka, numa pensão de estudantes lúgubre de Bogotá — quase dez anos atrás —”, relata García Márquez, “tinha sofrido comoção semelhante”. Passou o resto do ano sem ler outro autor, porque qualquer outro lhe parecia menor. (trecho retirado do ensaio de Paulo Paniago, meu próprio marido, baseado no texto Breves nostalgias sobre Juan Rulfo, de Gabriel García Márquez).
Agora é esperar o filme que está por vir. A produtora mexicana Canana está adaptando a história para o cinema com a direção do espanhol Mateo Gil e com o ator Gael García Bernal no papel de Pedro Páramo. Não sei como eles vão conseguir transformar em imagens tudo o que eu li, mas eu estou muito curiosa.
Foto de Juan Rulfo: Lola Álvarez Bravo

2 comentários:

Anônimo disse...

Por Mariana Jungmann, às 09:38: Desculpe, mas não dá. Minhas expectativas com o filme são as piores possíveis. A não ser que o diretor consiga um muito bom pra fumar nas filmagens... Acho difícil o cara transformar tanta viagem em qualquer coisa audiovisual. Podem me chamar de quadrada e até preconceituosa com a sétima arte, mas cinema, na minha opinião, é palpável demais para esse livro. De qualquer forma, sempre vale ver o Bernal. Mesmo que o carimbo dele já esteja desbotado de tão usado. Não tem outro ator no méxico não??? Ok, o assunto não é o Gostoso, quer dizer, o García. Quanto ao filme, tomara mesmo que eu esteja completamente errada. Vou amar me surpreender.

tresporquatro disse...

Pois sim, o livro, aliás, o processo de leitura - que envolve você e @s demais olivroestasobreamesistas - foi das experiências mais instigantes que pude ter nesses últimos tempos. Ainda tenho impressões muito fortes da poesia deste livro. Beijinhos.